No âmbito do concurso mencionado em título, apresentamos o conto inédito, da autoria da aluna Laura Maria Silva Carvalho, divulgado no Jornal Escolar e aqui transcrito na íntegra.
vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvBairro do ferro-velho, 25 de Março de 2009
… À noite
Velho amigo!
Nem sei porque é que te estou a escrever.
Um cão do meu antigo estatuto não desabafaria com um conjunto reles de folhas de papel, desenhada com traços esquisitos sem sentimentos e emoções: ou seja, sem rasto de vida. Mas um cão como eu era: imponente, cheio de pergaminhos, que dormia numa almofada fofinha, feita de pele de raposa, sempre cheirosinho e asseado, jamais sonharia (melhor dizendo, jamais teria o pesadelo) de vir a mudar completamente o seu estilo de vida.
Assim, aos tropeções da vida, estou encostado a um caixote da rua, sujo e feio esperando a todo o momento, a caridade de uma mão afável e generosa que aqui deixe o lixo com restinhos… de comida e, que seja muita, porque o meu corpo pesado assim o pede. É um corpo de muito alimento!
Como já percebeste nem sempre aqui estive, nem por aqui vivi…
Outrora naqueles tempos de opulência, vivia numa casa esplendorosa com um enorme jardim.
E agora, é … a rua a minha morada… Apesar de me dar por abandonado, apenas, há cerca de 2 ou 3 dias, que no entanto se tornaram para mim uma eternidade infinita.
Os minutos aqui parecem anos e os dias meses …e…
Querido diário, afinal tudo começou há uma semana atrás… Eu morava com uma grande e rica família constituída pelo pai, a mãe, 2 irmãos, 3 irmãs, um periquito (que não fiava nada a ninguém) e uma gatinha Maria, um pouco mesquinha (tinha garra adunca e dente aguçado, mas o pêlo era macio como veludo)! Às vezes até fazíamos concursos, para descobrirmos qual de nós o tinha mais macio! Brincadeiras de animais ricos, sem preocupações!
Éramos todos felizes. Mais ou menos. Assim pensava eu…
Lembro-me de como eu gostava das corridas com a Maria, logo ao acordar, com o Sol a reflectir no meu limpo e cuidado pêlo de São Bernardo e de oscilar as minhas orelhas com intensidade e esforço em direcção à divina cozinha! Ali, esperava-me sempre comida em abundância e ainda, uns aperitivos em forma de osso, saborosos, assim como uma espécie de chocolate de cães.
O que eu gozava nesses tempos?! Que alegria! Como era feliz!
E ainda havia o meu raio de Sol: a minha namorada que servia para tornar os meus dias ainda mais luminosos!
Um dia, eu tinha encontro marcado com a minha princesa: a cadela do lado da frente do meu casarão. Iríamos ver-nos no parque, junto à fonte, para trocarmos umas lambidelas apetitosas e carinhos caninos...
Nessa manhã, nem corri. Fui todo o caminho vangloriando o Mundo com a Primavera a florescer dentro de mim, e tratando de me manter apresentável à medida que me aproximava da minha cadelinha. Antes de partir, porém dirigi-me à cozinha e comecei a comer da minha taça. Blehc!
Mas, o que era aquilo? Que sabor…Nem parecia o meu habitual manjar!
Depois, olhei e vi todos os irmãos a rirem-se de mim. Trocaram a minha comida com a da Maria. Cruéis? Nem por isso… Eram criancinhas… Perdoei-lhes!
Baixei a cabeça e meti o rabo entre as pernas, pois sentia-me envergonhado.
Ser zombado pela própria família! Era muito triste! Bem, nem por todos…Uma das irmãs é especial: chama-se Anita.
A Anita é a irmã do meio. Ainda só tem 10 anos, mas um coração de ouro, trabalhado até ao último pormenor. Sempre comparei a sua alma a um hotel de cinco estrelas: onde cabia toda a gente e todos os seus amigos tinham o melhor dos serviços. Ela adora recolher animais e trata-os muito bem. Às vezes levava-me a passear e apontava-me para uma casa onde viviam animais sem família ou abandonados. Nesses momentos olhava para mim…e sorria. E, eu retribuía-lhe o sorriso agradecendo-lhe o lar que me dispensava.
A Ana andava na escola, brincava com as amigas no intervalo, mas sempre com vontade de chegar a casa, para me poder contar o que tinha acontecido e divertir-se comigo. Mesmo quando não acontecia nada os nossos encontros eram inesquecíveis!
Ela era a minha preferida naquela família de muitas posses. Afinal, nem admira, era a que mais me amava, era a que melhor me tratava!
Por isso, naquele dia, quando me ausentei a passos curtos da sala, ela seguiu-me e levou-me para o seu quarto. Aí, abraçou-me com muita força e sussurrou-me alguma coisa como: «São uns estúpidos. Não lhes ligues. Eu protejo-te». E então teve que descer as escadas para ir para a escola. Reparei que ia a correr …
Como gostei das suas palavras… Mas qualquer coisa me fez murchar as orelhas! Afinal, nós os cães também somos intuitivos! Vi uma nuvem no seu olhar… E era uma nuvem diferente das outras… Pois em outras ocasiões, quando estava triste a Ana fala-me e a sua voz, qual canto, era sempre tão suave como o dos meninos de coro, num gélido e frio dia de Inverno. E assim conformava-me. Naquele dia foi diferente… diferente…muito diferente.
Depois… desta estranha sensação, deste arrepio… é que me lembrei: do encontro com a minha cadelita!
Corri para o parque com tal rapidez como se as pernas estivessem à frente do meu corpo! E lá a encontrei. Suspiro. Ela vê-me e corre direita a mim! Lambe-me a pata e começamos a brincar. Trocamos segredos e promessas de amor. Ela é tão bonita! … vou gostar dela para sempre, porque não existe no mundo da minha raça , cadela tão inteligente e tão bem-disposta como ela!
… À noite
Velho amigo!
Nem sei porque é que te estou a escrever.
Um cão do meu antigo estatuto não desabafaria com um conjunto reles de folhas de papel, desenhada com traços esquisitos sem sentimentos e emoções: ou seja, sem rasto de vida. Mas um cão como eu era: imponente, cheio de pergaminhos, que dormia numa almofada fofinha, feita de pele de raposa, sempre cheirosinho e asseado, jamais sonharia (melhor dizendo, jamais teria o pesadelo) de vir a mudar completamente o seu estilo de vida.
Assim, aos tropeções da vida, estou encostado a um caixote da rua, sujo e feio esperando a todo o momento, a caridade de uma mão afável e generosa que aqui deixe o lixo com restinhos… de comida e, que seja muita, porque o meu corpo pesado assim o pede. É um corpo de muito alimento!
Como já percebeste nem sempre aqui estive, nem por aqui vivi…
Outrora naqueles tempos de opulência, vivia numa casa esplendorosa com um enorme jardim.
E agora, é … a rua a minha morada… Apesar de me dar por abandonado, apenas, há cerca de 2 ou 3 dias, que no entanto se tornaram para mim uma eternidade infinita.
Os minutos aqui parecem anos e os dias meses …e…
Querido diário, afinal tudo começou há uma semana atrás… Eu morava com uma grande e rica família constituída pelo pai, a mãe, 2 irmãos, 3 irmãs, um periquito (que não fiava nada a ninguém) e uma gatinha Maria, um pouco mesquinha (tinha garra adunca e dente aguçado, mas o pêlo era macio como veludo)! Às vezes até fazíamos concursos, para descobrirmos qual de nós o tinha mais macio! Brincadeiras de animais ricos, sem preocupações!
Éramos todos felizes. Mais ou menos. Assim pensava eu…
Lembro-me de como eu gostava das corridas com a Maria, logo ao acordar, com o Sol a reflectir no meu limpo e cuidado pêlo de São Bernardo e de oscilar as minhas orelhas com intensidade e esforço em direcção à divina cozinha! Ali, esperava-me sempre comida em abundância e ainda, uns aperitivos em forma de osso, saborosos, assim como uma espécie de chocolate de cães.
O que eu gozava nesses tempos?! Que alegria! Como era feliz!
E ainda havia o meu raio de Sol: a minha namorada que servia para tornar os meus dias ainda mais luminosos!
Um dia, eu tinha encontro marcado com a minha princesa: a cadela do lado da frente do meu casarão. Iríamos ver-nos no parque, junto à fonte, para trocarmos umas lambidelas apetitosas e carinhos caninos...
Nessa manhã, nem corri. Fui todo o caminho vangloriando o Mundo com a Primavera a florescer dentro de mim, e tratando de me manter apresentável à medida que me aproximava da minha cadelinha. Antes de partir, porém dirigi-me à cozinha e comecei a comer da minha taça. Blehc!
Mas, o que era aquilo? Que sabor…Nem parecia o meu habitual manjar!
Depois, olhei e vi todos os irmãos a rirem-se de mim. Trocaram a minha comida com a da Maria. Cruéis? Nem por isso… Eram criancinhas… Perdoei-lhes!
Baixei a cabeça e meti o rabo entre as pernas, pois sentia-me envergonhado.
Ser zombado pela própria família! Era muito triste! Bem, nem por todos…Uma das irmãs é especial: chama-se Anita.
A Anita é a irmã do meio. Ainda só tem 10 anos, mas um coração de ouro, trabalhado até ao último pormenor. Sempre comparei a sua alma a um hotel de cinco estrelas: onde cabia toda a gente e todos os seus amigos tinham o melhor dos serviços. Ela adora recolher animais e trata-os muito bem. Às vezes levava-me a passear e apontava-me para uma casa onde viviam animais sem família ou abandonados. Nesses momentos olhava para mim…e sorria. E, eu retribuía-lhe o sorriso agradecendo-lhe o lar que me dispensava.
A Ana andava na escola, brincava com as amigas no intervalo, mas sempre com vontade de chegar a casa, para me poder contar o que tinha acontecido e divertir-se comigo. Mesmo quando não acontecia nada os nossos encontros eram inesquecíveis!
Ela era a minha preferida naquela família de muitas posses. Afinal, nem admira, era a que mais me amava, era a que melhor me tratava!
Por isso, naquele dia, quando me ausentei a passos curtos da sala, ela seguiu-me e levou-me para o seu quarto. Aí, abraçou-me com muita força e sussurrou-me alguma coisa como: «São uns estúpidos. Não lhes ligues. Eu protejo-te». E então teve que descer as escadas para ir para a escola. Reparei que ia a correr …
Como gostei das suas palavras… Mas qualquer coisa me fez murchar as orelhas! Afinal, nós os cães também somos intuitivos! Vi uma nuvem no seu olhar… E era uma nuvem diferente das outras… Pois em outras ocasiões, quando estava triste a Ana fala-me e a sua voz, qual canto, era sempre tão suave como o dos meninos de coro, num gélido e frio dia de Inverno. E assim conformava-me. Naquele dia foi diferente… diferente…muito diferente.
Depois… desta estranha sensação, deste arrepio… é que me lembrei: do encontro com a minha cadelita!
Corri para o parque com tal rapidez como se as pernas estivessem à frente do meu corpo! E lá a encontrei. Suspiro. Ela vê-me e corre direita a mim! Lambe-me a pata e começamos a brincar. Trocamos segredos e promessas de amor. Ela é tão bonita! … vou gostar dela para sempre, porque não existe no mundo da minha raça , cadela tão inteligente e tão bem-disposta como ela!
E isto é tão bom como ser bonita.
É como se fosse bonita ao quadrado, isto matematicamente falando…é claro… Pois, sabes que eu sou um cão muito instruído: gosto imenso de ler, de fazer exercícios de matemática e até de pintar… Ou seja, sou assim, um Bobi com pretensões culturais. A minha mãe que era uma cadelinha muito doce que me disse sempre, que não há nada melhor do que aprender, e eu sigo à risca o seu conselho…
Adiante…adiante… quando regressei a casa estava um silêncio profundo e aterrador.
Na sala algo se passava…
Com pezinhos de lã aproximei-me da porta, que estava entreaberta e ouvi a conversa da mãe com Anita:
«Sabes, um São Bernardo gasta mesmo muito. São cães muito comilões… E, a empresa do teu pai, foi à falência!…»
Senti um aperto no coração…ai que sofrimento…o que é que se irá passar pensei!?
«Tu não estás a querer dizer que vocês vão abandonar o Bobi (sou eu), pois não?» - questionou a Anita.
«Querida, …» Compreende … a vida nem sempre é como queremos que seja… Vivemos numa época de crise e o teu pai vai abrir falência. A fábrica tem dado muito prejuízo. – tentava explicar a mãe confrangida.
De repente, o meu coração ficou rodeado por um nevoeiro imenso, com o qual eu nem conseguia pensar.
Olhei para a expressão da Anita. Para além de horrorizada, começavam a notar-se grossas lágrimas a escorrerem-lhe pela face. Apetecia-me chorar também a mim e fi-lo à minha maneira.
Deixei-me cair no tapete, rezando para que o tecto me caísse em cima! Queria morrer! Como iria viver sem este doce lar?
Este lar que tão bem me acolheu e onde fui tão feliz…desde o dia em que morreu a minha mãe.
Fiquei em casa por mais dois dias. Esgotado o prazo, foram todos levar-me para “um passeio”, a cerca de 5 horas, da cidade em que nos encontrávamos.
Se eu quisesse, poderia ter regressado pois, nós os cães temos o faro muito apurado, mas sentia-me tão atraiçoado! Quando o pai me empurrou para fora…das suas vidas, a Anita chorou, berrou zangada, mas eu nada podia fazer. Estava entregue a mim próprio. Lancei um último olhar meigo à Anita e com uma expressão que dizia «Vou sentir saudades, gostei de te conhecer e ficarás no meu coração para sempre!» Nunca te esquecerei!
E virei-me de costas, caminhando derrotado.
De vez em quando dava uma vista de olhos furtiva para o carro da minha antiga família que rasgava a estrada, a alta velocidade, esperançoso que se arrependessem e voltassem para trás. Mas, nada aconteceu… A noite desceu e cobriu o meu coração …
E agora aqui estou eu. Comendo cascas de batata ou outras iguarias que acabo por encontrar.
Estamos em plena noite do mês de Agosto. Sozinho e abandonado. Esfomeado. Porquê eu? Questiono e ninguém me ouve…
Mas… de súbito, acontece que ouço uns barulhos nada habituais!
«Mamã, onde estás tu»? Começo a ganir baixinho. Já sonho com a minha mãe, que vou ao seu encontro…para um sítio melhor!
E é então que a vejo! Mas não é a minha mãe! Parece que estou com alucinações! Oh, meu Deus! É outro anjo que ainda anda neste mundo…
Uma visão linda… mas não é visão… é a minha Anita! Traz os seus cabelos lisos e loiros sujos de ferrugem, devido ao que passou para me encontrar, está…está … está a aproximar-se!
(Isto é complicado porque estou a fazer as coisas enquanto escrevo e a emoção faz-me tremer as patas).
Corro para os seus braços. Sinto o seu cheiro a alperce e a maciez do seu amor. Ela veio para salvar-me! Que querida!
Gostava que ela pudesse ler o que senti, mas aos seus olhos as minhas letras parecer-lhe-iam um monte de pegadas…pois não conhece a escrita canina que, da humana, não difere nos sentimentos importantes!
… Madrugada
Não podia desperdiçar aquele momento a escrever.
Neste momento já estou com a Anita, num comboio de mercadorias. Entramos sorrateiros na esperança que ninguém nos descubra. Se não fosse o susto, até parecia que estávamos a fazer um filme. Ela trouxe 10 euros e, não temos mais nada… Mas ambos estamos felizes, porque estamos juntos, e não há lugar melhor no Mundo do que aquele em que nos encontramos quando estamos junto de Grandes Amigos como a Anita. Sssinto sentimentos muito fortes…e bonitos!
Primeiro fiquei um pouco preocupado, porque não sabia para onde ir. Estávamos ambos perdidos e a nossa experiência é quase nula … Mas Anita animou-me.
E munidos de coragem, vamos seguir em frente agarrados à força da amizade que nos une e procurar um novo caminho que nos vá levar a um sítio melhor. Junto dela, só pode ser o paraíso.
Afinal estou ao lado de um tesouro: uma amiga verdadeira! Estou encostado ao seu frágil corpito, o meu focinho encosta-se á sua carinha rosada e parece que flutuo.
Tenho muita sorte, por tê-la aqui ao meu lado. Dou-lhe uma lambidela reconhecida, ela sorri-me maravilhada e dá-me em grande abraço. Como sou grande e forte caímos, mas não nos magoámos.
Sinto-me tão poderoso por ter a meu lado a rapariga que renunciou a tudo para me encontrar, a melhor amiga do mundo!
O que diria a seus pais?
O que se proporia a fazer por mim?
Penso que o seu olhar feliz, a sua mão macia a afagar-me o pêlo, a sua voz comovida e a ferrugem nos cabelos (resultante da sua vinda ao meu mundo do ferro-velho…) deu-me uma prova de amizade para toda a vida.
Daquelas provas que poucos encontram...
…
Sinto-me especial!!!
Feliz, afortunado!!!
Protegido e livre de maus tratos…
É como se fosse bonita ao quadrado, isto matematicamente falando…é claro… Pois, sabes que eu sou um cão muito instruído: gosto imenso de ler, de fazer exercícios de matemática e até de pintar… Ou seja, sou assim, um Bobi com pretensões culturais. A minha mãe que era uma cadelinha muito doce que me disse sempre, que não há nada melhor do que aprender, e eu sigo à risca o seu conselho…
Adiante…adiante… quando regressei a casa estava um silêncio profundo e aterrador.
Na sala algo se passava…
Com pezinhos de lã aproximei-me da porta, que estava entreaberta e ouvi a conversa da mãe com Anita:
«Sabes, um São Bernardo gasta mesmo muito. São cães muito comilões… E, a empresa do teu pai, foi à falência!…»
Senti um aperto no coração…ai que sofrimento…o que é que se irá passar pensei!?
«Tu não estás a querer dizer que vocês vão abandonar o Bobi (sou eu), pois não?» - questionou a Anita.
«Querida, …» Compreende … a vida nem sempre é como queremos que seja… Vivemos numa época de crise e o teu pai vai abrir falência. A fábrica tem dado muito prejuízo. – tentava explicar a mãe confrangida.
De repente, o meu coração ficou rodeado por um nevoeiro imenso, com o qual eu nem conseguia pensar.
Olhei para a expressão da Anita. Para além de horrorizada, começavam a notar-se grossas lágrimas a escorrerem-lhe pela face. Apetecia-me chorar também a mim e fi-lo à minha maneira.
Deixei-me cair no tapete, rezando para que o tecto me caísse em cima! Queria morrer! Como iria viver sem este doce lar?
Este lar que tão bem me acolheu e onde fui tão feliz…desde o dia em que morreu a minha mãe.
Fiquei em casa por mais dois dias. Esgotado o prazo, foram todos levar-me para “um passeio”, a cerca de 5 horas, da cidade em que nos encontrávamos.
Se eu quisesse, poderia ter regressado pois, nós os cães temos o faro muito apurado, mas sentia-me tão atraiçoado! Quando o pai me empurrou para fora…das suas vidas, a Anita chorou, berrou zangada, mas eu nada podia fazer. Estava entregue a mim próprio. Lancei um último olhar meigo à Anita e com uma expressão que dizia «Vou sentir saudades, gostei de te conhecer e ficarás no meu coração para sempre!» Nunca te esquecerei!
E virei-me de costas, caminhando derrotado.
De vez em quando dava uma vista de olhos furtiva para o carro da minha antiga família que rasgava a estrada, a alta velocidade, esperançoso que se arrependessem e voltassem para trás. Mas, nada aconteceu… A noite desceu e cobriu o meu coração …
E agora aqui estou eu. Comendo cascas de batata ou outras iguarias que acabo por encontrar.
Estamos em plena noite do mês de Agosto. Sozinho e abandonado. Esfomeado. Porquê eu? Questiono e ninguém me ouve…
Mas… de súbito, acontece que ouço uns barulhos nada habituais!
«Mamã, onde estás tu»? Começo a ganir baixinho. Já sonho com a minha mãe, que vou ao seu encontro…para um sítio melhor!
E é então que a vejo! Mas não é a minha mãe! Parece que estou com alucinações! Oh, meu Deus! É outro anjo que ainda anda neste mundo…
Uma visão linda… mas não é visão… é a minha Anita! Traz os seus cabelos lisos e loiros sujos de ferrugem, devido ao que passou para me encontrar, está…está … está a aproximar-se!
(Isto é complicado porque estou a fazer as coisas enquanto escrevo e a emoção faz-me tremer as patas).
Corro para os seus braços. Sinto o seu cheiro a alperce e a maciez do seu amor. Ela veio para salvar-me! Que querida!
Gostava que ela pudesse ler o que senti, mas aos seus olhos as minhas letras parecer-lhe-iam um monte de pegadas…pois não conhece a escrita canina que, da humana, não difere nos sentimentos importantes!
… Madrugada
Não podia desperdiçar aquele momento a escrever.
Neste momento já estou com a Anita, num comboio de mercadorias. Entramos sorrateiros na esperança que ninguém nos descubra. Se não fosse o susto, até parecia que estávamos a fazer um filme. Ela trouxe 10 euros e, não temos mais nada… Mas ambos estamos felizes, porque estamos juntos, e não há lugar melhor no Mundo do que aquele em que nos encontramos quando estamos junto de Grandes Amigos como a Anita. Sssinto sentimentos muito fortes…e bonitos!
Primeiro fiquei um pouco preocupado, porque não sabia para onde ir. Estávamos ambos perdidos e a nossa experiência é quase nula … Mas Anita animou-me.
E munidos de coragem, vamos seguir em frente agarrados à força da amizade que nos une e procurar um novo caminho que nos vá levar a um sítio melhor. Junto dela, só pode ser o paraíso.
Afinal estou ao lado de um tesouro: uma amiga verdadeira! Estou encostado ao seu frágil corpito, o meu focinho encosta-se á sua carinha rosada e parece que flutuo.
Tenho muita sorte, por tê-la aqui ao meu lado. Dou-lhe uma lambidela reconhecida, ela sorri-me maravilhada e dá-me em grande abraço. Como sou grande e forte caímos, mas não nos magoámos.
Sinto-me tão poderoso por ter a meu lado a rapariga que renunciou a tudo para me encontrar, a melhor amiga do mundo!
O que diria a seus pais?
O que se proporia a fazer por mim?
Penso que o seu olhar feliz, a sua mão macia a afagar-me o pêlo, a sua voz comovida e a ferrugem nos cabelos (resultante da sua vinda ao meu mundo do ferro-velho…) deu-me uma prova de amizade para toda a vida.
Daquelas provas que poucos encontram...
…
Sinto-me especial!!!
Feliz, afortunado!!!
Protegido e livre de maus tratos…
Sou um cão MUITO RICO!
…
Não está o destino a ser demasiado bom para mim?
…
Lambidelas fofas, querido diário e alegria na tua vida.
Afinal ter-te como meu confidente é …quase tão bom como ter a Anita como amiga.
vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv Teu amigo e incondicional
vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv Bobi
…
Não está o destino a ser demasiado bom para mim?
…
Lambidelas fofas, querido diário e alegria na tua vida.
Afinal ter-te como meu confidente é …quase tão bom como ter a Anita como amiga.
vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv Teu amigo e incondicional
vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv Bobi
vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvLaura Maria Silva Carvalho
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